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Reportagem exclusiva OP+ sobre a retomada das atividades culturais no Ceará

Transcript

“Não há mais como voltar a ser o que éramos antes”

A pandemia trouxe prejuízos enormes para todas as pessoas, mas também abriu caminhos. Na dança e no teatro, principalmente, inventamos outras formas de existir. A experimentação online, por exemplo, propiciou a troca de trabalhos, na medida em que aumentou o contato com pessoas de outros estados e países. Eu, por exemplo, fiz trabalhos com direção online, ou seja, fui dirigida remotamente por uma pessoa a quilômetros de distância. Sentimos muita falta do encontro, mas nada do que foi feito será esquecido. Não há mais como voltar a ser o que éramos antes. Imagino que daqui pra frente, a retomada da cultura será de forma híbrida, com muita participação da tecnologia. Já tínhamos o uso dela, principalmente em relação ao audiovisual nas artes cênicas. Em relação aos editais, é importante que os setores públicos e privados escutem os artistas para compreender essa transformação e visualizar como será daqui por diante, já que muita coisa mudou. Eu tenho usado as minhas redes sociais como portfólio e como uma maneira de comunicar sobre o que estou fazendo, e creio que esta é uma das transformações. É o “trabalho de formiguinha” de formação de público. Quando eu podia fazer esse trabalho na rua, eu ia panfletar no entorno do teatro onde eu estava em cartaz. Hoje essa panfletagem é no Instagram. O que importa é aumentar a conexão com as pessoas e com outros artistas. Estabelecer boas parcerias, saber trabalhar em rede, porque nós não vamos conseguir passar por tudo isso estando sozinhos e isolados. Nesta pandemia, a arte se mostrou essencial, mesmo não sendo utilitária. Essencial para a nossa existência, sobrevivência e sanidade.

Alda Pessoa

Alda Pessoa, bailarina e educadora

Raimundo Moreira

Mimi Rocha

Herê Aquino

Mauricio Rodrigues

Isaac Cândido

Thiago Ibiapina

“Esta retomada expôs a nossa total dependência dos editais”

Apesar de eu pertencer também a alguns coletivos de fora do Ceará, prefiro comentar mais sobre a situação aqui, ainda que muitas questões sejam comuns a todos os estados, como por exemplo, a dependência dos artistas às iniciativas dos seus governos estaduais, dada a ausência de um ministério da cultura que centralize esse fomento. Aqui no Ceará, com o último decreto que permite a volta de eventos culturais, vamos ver os espaços se adaptarem para atividades presenciais, já que estavam todas no virtual. Nós, da cultura, costumamos repetir o mantra de que “fomos os primeiros a parar e os últimos a voltar”. Sentimos isso na pele. Nossa cadeia produtiva ficou dependendo da ajuda do estado até para doação de cestas básicas. Poderíamos ter como alternativa a essa dependência o funcionamento permanente dos espaços culturais, seja com programação virtual ou presencial. Também poderíamos ter processos de formação e pesquisa continuados. Em vez disso, nos vemos às voltas com a precarização do nosso trabalho. O valor do cachê foi diminuído porque argumentam: “A apresentação é ‘só’ virtual”. Como se fosse mais fácil assim. Fazer uma apresentação teatral pela internet demanda o conhecimento de uma outra linguagem artística, porque é quase como se fosse TV. É diferente do teatro, que trabalha com arte presencial, aquela que é olho no olho.O que existe até agora é uma experiência virtual do teatro, porque o teatro, na sua essência, acontece na integração com o outro, algo que só é possível com a presença da plateia.

Alda Pessoa

Raimundo Moreira, ator, contador de estórias e membro do Fórum Cearense de Teatro

Raimundo Moreira

Mimi Rocha

Herê Aquino

Mauricio Rodrigues

Isaac Cândido

Thiago Ibiapina

“Fomos os primeiros a parar e seremos os últimos a voltar”

A cultura e o setor de eventos foram, sem dúvida, os mais prejudicados com a pandemia. Fomos os primeiros a parar e seremos os últimos a voltar. Infelizmente ainda não temos a certeza do fim da pandemia.Com a lentidão da vacinação, a retomada dos eventos presenciais deve ser lenta e gradual, por isso que os editais são essenciais para o apoio ao setor. Os eventos e espetáculos-testes foram liberados e assim veremos se a flexibilização pode ser aumentada. Estou na torcida que isso ocorra.Diante do desmonte da cultura promovido pelo governo federal, alternativas como a lei Aldir Blanc e outras ações de apoio ao setor deveriam ser ampliadas, mas o cenário ainda é incerto.A cultura e o setor de eventos foram, sem dúvida, os mais prejudicados com a pandemia. Fomos os primeiros a parar e seremos os últimos a voltar. Infelizmente ainda não temos a certeza do fim da pandemia.Com a lentidão da vacinação, a retomada dos eventos presenciais deve ser lenta e gradual, por isso que os editais são essenciais para o apoio ao setor. Os eventos e espetáculos-testes foram liberados e assim veremos se a flexibilização pode ser aumentada. Estou na torcida que isso ocorra.Diante do desmonte da cultura promovido pelo governo federal, alternativas como a lei Aldir Blanc e outras ações de apoio ao setor deveriam ser ampliadas, mas o cenário ainda é incerto.

Alda Pessoa

Mimi Rocha, músico, produtor e diretor do Centro Cultural Belchior

Raimundo Moreira

Mimi Rocha

Herê Aquino

Mauricio Rodrigues

Isaac Cândido

Thiago Ibiapina

“Até agora, a Secretaria de Cultura de Fortaleza não disse a que veio”

É difícil pensar em como essa retomada se dará, da mesma forma como foi difícil pensar no que faríamos com a nossa arte quando a pandemia surgiu. O que nos resta agora são incertezas. Nós tivemos que nos reinventar diante da crise que surgia, principalmente com a suspensão de todos os incentivos. Acredito que a retomada vai ser um pouco assim. Nós, enquanto artistas e trabalhadores da cultura, vamos ter que nos preparar para as velhas lutas e as novas que surgirão com essa retomada. A pandemia afetou de forma desastrosa a produção cultural em nosso país, principalmente porque desestabilizou conquistas que vinham sendo construídas e consolidadas em anos de luta dos trabalhadores da cultura em nível federal, estadual e municipal. Essas negociações foram interrompidas com a pandemia, e também todos os editais que eram lançados com uma “certa” estabilidade, e aqui eu me refiro diretamente ao nosso estado. Na realidade, a pandemia escancarou debilidades já existentes e uma delas, talvez a principal, tenha sido exatamente a falta de continuidade e permanência dessas políticas públicas que se configuraram unicamente em editais, e na incerteza do lançamento ou não deles. E aqui é também importante que se diga que política pública cultural não pode estar consolidada somente no lançamento de editais, mas em um plano mais amplo que crie possibilidade de se pensar a cultura cearense em toda a sua diversidade. Em relação à retomada dos espetáculos para a forma presencial, eu acredito que irá refletir o impacto não só econômico mas também emocional que foi a pandemia. Primeiramente, na produção cultural: poucos grupos tiveram estreia de novos trabalhos, apesar da luta e da conquista que foi o investimento da lei Aldir Blanc. Mas também do abandono que aconteceu nos equipamentos públicos que ficaram fechados e sem manutenção durante todo esse tempo. Não podemos negar que a Secretaria de Cultura do Estado esteve bastante presente, dentro de suas limitações, é claro, na aplicação desses recursos que chegaram da Lei Aldir Blanc. O mesmo não podemos dizer da Secretaria de Cultura de Fortaleza, que até agora não disse a que veio.

Alda Pessoa

Herê Aquino, diretora, pesquisadora e professora de teatro

Raimundo Moreira

Mimi Rocha

Herê Aquino

Mauricio Rodrigues

Isaac Cândido

Thiago Ibiapina

“Se antes da pandemia eu lutava por mais respeito, agora isso se potencializa”

Como artista de rua, sempre vou enxergar os espaços públicos como espaços de grande potência para o fazer artístico. Pudemos acompanhar em outros países onde a vacinação se deu de forma mais ágil os festivais e eventos culturais voltando a acontecer. E como brasileiro, não preciso explicar a sensação que tive ao ver isso, preso em casa, sem poder exercer meu ofício e com poucas ações de políticas públicas. Ainda mais porque no Brasil temos um governo federal que faz de tudo para atrapalhar o cuidado com a vida. O que tivemos de positivo foi a articulação de artistas, grupos, movimentos e redes que se uniram para mobilizar o pouco de ajuda que a classe teve. Como a implementação da Lei Aldir Blanc por exemplo. Sabemos de municípios onde a classe artística conseguiu se organizar, cobrar e fazer muitas vezes o trabalho que deveria ser do poder público.Nesses lugares, a lei foi realizada. Já em outros lugares com menos articulação da classe, ou com quantidade menor de artistas, a luta foi bem mais difícil. Muitas vezes tendo que se afirmar a existência, e sobretudo a importância das existências desses trabalhadores da cultura. Especialmente fazedores da cultura popular, povos ciganos, mestres da cultura, que apesar da pompa do título, vivem em condições de miséria, mesmo antes da pandemia. Nesta retomada da cultura, acho que eu preciso mudar o rumo. Não se trata do que acho, e sim do que espero. Se antes da pandemia eu torcia e lutava por mais respeito e reconhecimento da classe artística, agora isso se potencializa ainda mais. E entendendo que temos cada vez mais pressa de chegar nesse lugar de reconhecimento, dignidade e direito.

Alda Pessoa

Mauricio Rodrigues (Batuta) é ator, palhaço, videomaker e músico

Raimundo Moreira

Mimi Rocha

Herê Aquino

Mauricio Rodrigues

Isaac Cândido

Thiago Ibiapina

“As pessoas estão sedentas por arte”

Não acredito que antes da 1ª metade de 2022 as coisas consigam se normalizar, ainda que a vacinação esteja acontecendo e seja essencial para a retomada da cultura. Uma boa estratégia para essa retomada acontecer de uma forma melhor poderia ser a democratização dos editais com uma divisão dos projetos de forma mais ampla. Explico: às vezes, os editais pegam o valor e dividem para poucos projetos. No entanto, eles deveriam dar oportunidade para mais pessoas e coletivos. Digo isto porque é muito comum acontecer nos editais o que chamamos de “panelas”. Basta ver as listas de artistas contemplados nos últimos anos para constatar isso, já que são sempre os mesmos nomes que ganham.Outra coisa: a retomada também terá que contornar o impacto nos orçamentos de grandes shows, os quais tiveram de ser reduzidos drasticamente. Estamos todos nos adaptando e, sinceramente, é até difícil imaginar como vamos sair dessa. Fiz um show recentemente em parceria com o [cantor e compositor] Paulo Façanha e percebi como as pessoas estão sedentas por arte. No entanto, nosso público está na faixa etária que tem se mantido muito em casa, por questões de saúde. A retomada para essa parcela da população deve ser um pouco mais cautelosa. Para finalizar: apesar de tudo, nós, artistas, continuamos a criar. No pior da pandemia, quando vi tudo parando, eu retomei a criação e voltei ao meu trabalho como músico e compositor. Fiz umas 125 músicas, e isso me trouxe alegria, ainda que meu trabalho como produtor tivesse parado.

Alda Pessoa

Isaac Cândido, músico, compositor e produtor musical

Raimundo Moreira

Mimi Rocha

Herê Aquino

Mauricio Rodrigues

Isaac Cândido

Thiago Ibiapina

“Não é nada fácil para a periferia fazer uma proposta formal para um edital”

A gente dependia das atividades externas para desenvolver nossos trabalhos artísticos, como as mostras e os cineclubes. Quando veio a pandemia, a gente ficou mais prejudicado ainda porque quando saíam os editais, a gente apenas auxiliava quem os ganhava. A verdade é que a grande maioria dos editais não chegam para as pessoas que moram na periferia. Ficamos dependendo da "terceirização dos editais”, que é outra pessoa ganhar o edital e ela contratar seu serviço para a direção ou montagem.A gente espera para a retomada um pouco mais de acesso a eles, mas que o modelo também seja revisto. Porque não é nada fácil para uma pessoa física da periferia fazer uma proposta formal para um edital, cumprindo todas as exigências que são pedidas.Esta é mais uma dificuldade que a gente enfrenta. Aí vemos sempre os mesmos artistas ganhando, e isso é desanimador. Fica difícil fazer uma programação boa, como os saraus, as batalhas de rap e os cineclubes. A gente espera que de alguma forma se abram mais espaços para que a galera se integre mais nesse meio cultural e artístico, porque na periferia tem potencial e aqui não paramos de produzir conteúdo.

Alda Pessoa

Thiago Ibiapina (Durango), videomaker, fotógrafo e produtor musical do Grande Pirambu

Raimundo Moreira

Mimi Rocha

Herê Aquino

Mauricio Rodrigues

Isaac Cândido

Thiago Ibiapina