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Reportagem exclusiva OP+ sobre o abolicionismo no Ceará

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A JANGADA LIBERTADORA

Muita gente nem imagina que o mar do Ceará, lá no tempo de dom Pedro II, um dia se revoltou. Não foi um maremoto nem tufão ou terremoto.

A lenda da Jangada Libertadora rebentou no Ceará. Foi depois que jangadeiros, contra as leis do império brasileiro, impediram navios negreiros de levar e trazer escravizados.

Há 140 anos um grupo de jangadeiros livres – negros, pardos, caboclos e brancos –, inconformados com a escravidão, na praia decretou:

Pelo Porto de Fortaleza não embarca nem desembarca nenhum ser humano negro traficado da África e aqui subjugado.

Era janeiro de 1881. Um tempo nefasto de senzala, chicote, estupro e morte no império, época também da princesa Isabel.

Também o chamavam de Chico da Matilde. Ele e muitos jangadeiros, Tia Simôa e Tia Esperança barraram de novo o mar. Foram além na ousadia, sequestraram a “mercadoria” e as fizeram escapar.

De Fortaleza, com Dragão e brancos da Sociedade Libertadora Cearense, Patrocínio foi ao Acarape. E naquela vila implantaram a primeira experiência de um “território livre” da escravidão. O primeiro do Brasil.

Era 1º de janeiro de 1883. Acarape, que deu origem a cidade de Redenção, libertou seus 32 escravos e virou o primeiro “laboratório” da liberdade do império do Brasil. Cinco meses depois, Fortaleza se alforriou. E em 1884, foi a vez do Ceará de vez. Tudo isso, quatro anos antes da Lei Áurea vigorar.

A revolta dos jangadeiros e o ativismo em Acarape, Fortaleza e no Ceará correram à boca miúda e pela imprensa sem parar. Tanto assim, que “Ceará Livre” se transformou em manifestação no Rio de Janeiro, onde a Corte imperava.

Nas ruas e salões do Rio de Janeiro, Dragão do Mar, sua Jangada Libertadora e mais dois jangadeiros desfilaram como heróis. Fizeram saraus, cunharam medalhas, teve banda de música da Polícia, concertos, procissões, discursos inflamados e regata na Guanabara.

A Gazeta de Notícias, o Mequetrefe e a Revista Illustrada reportaram os dias em que o “Ceará Livre” virou estratégia abolicionista no quintal do imperador e na janela da princesa.

O ponto alto do manifesto reservou-se para o último dia. A Jangada Libertadora, como parte da memória sobre a luta abolicionista, para o Rio foi cedida. No Museu Nacional a embarcação ancorou.

Enraivecida, a elite escravista protestou contra a Jangada e os eventos aludidos. Nos jornais e nas esquinas, fingindo ser coisa fina, um bate-boca cretino sobre o valor Jangada no império se instalou.

Resumindo esse quiprocó, na verdade pura lamúria dos tiranos da escravidão, a Jangada do Dragão da história foi sumida. Entre os museus Nacional e Naval a embarcação se escafedeu. Mas ainda vive na memória...

Mesmo estando combalido, o sistema escravista ainda feriu e matou por mais quatro anos depois do “Ceará Livre”. Foi quando a princesa Isabel, pressionada pelo novo capitalismo, a Lei Áurea assinou... Mas até hoje uma dívida ficou. Esse assunto não tem fim e é parte dos silêncios de uma história que o tempo nunca apagou.

Na praia, o formigueiro se assanhou de novo. Foi aí que se insurgiu Francisco José do Nascimento, um negro nascido livre, até hoje conhecido pela alcunha de Dragão do Mar.

De 23 de março a 13 de abril de 1884, o “Ceará Livre” virou protesto pelo fim da escravidão. A ordem entre os abolicionistas era o império pressionar.

As notícias sobre as greves correram, feito zaps, por cada canto do império. Tanto assim que José do Patrocínio por aqui desembarcou. Um abolicionista preto, escritor e farmacêutico, que batizou o Ceará por “Terra da Luz”.

Mas também era tempo de resistência. E na praia, hoje chamada de Iracema, o alforriado José Luiz Napoleão e a preta Tia Simôa lideraram a primeira greve no mar do Ceará. Aliados a abolicionistas deram um fim ao comércio do “corpo” negro pelo cais de Fortaleza.

Acostumada a lucrar com a “carne” negra, a elite cearense estrebuchou. Em agosto daquele mesmo ano, o sobrinho do Major Facundo, se achando maioral, tentou pelo porto algumas escravizadas embarcar.

Teve tensão, protesto e ameaça de sangue se derramar, mas no fim os jangadeiros comemoraram de novo outro golpe contra o sistema escravista na província do Ceará.