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O que tu és És Aquela que tudo te entristeceIrrita e amargura, tudo humilha;Aquela a quem a Mágoa chamou filha;A que aos homens e a Deus nada merece.Aquela que o sol claro entenebreceA que nem sabe a estrada que ora trilha,Que nem um lindo amor de maravilhaSequer deslumbra, e ilumina e aquece!Mar-Morto sem marés nem ondas largas,A rastejar no chao como as mendigas,Todo feito de lágrimas amargas!És ano que nao teve Primavera...Ah! Nao seres como as outras raparigasÓ Princesa Encantada da Quimera!... Florbela Espanca Diz o Avô Tens cabelos brancos.Mas porquê, avô?Caiu muita nevena estrada onde vou. Tens rugas na face.Mas porquê, avô?Bateu muito solna estrada onde vou. Tens olhos baços.Mas porquê, avô?Pousou nevoeirona estrada onde vou. Tens calos nas mãos.Mas porquê, avô?Parti muita pedrana estrada onde vou. Tens coração grande.Mas porquê, avô?Nele mora a genteque por mim passou. Luísa Ducla Soares in A Cavalo no Tempo Sim, talvez tenham razão Sim, talvez tenham razão.Talvez em cada coisa uma coisa oculta more,Mas essa coisa oculta é a mesmaQue a coisa sem ser oculta.Na planta, na árvore, na flor(Em tudo que vive sem falaE é uma consciência e não o com que se faz uma consciência),No bosque que não é árvores mas bosque,Total das árvores sem soma,Mora uma ninfa, a vida exterior por dentroQue lhes dá a vida;Que floresce com o florescer delesE é verde no seu verdor.No animal e no homem entra.Vive por fora por dentroÉ um já dentro por fora,Dizem os filósofos que isto é a almaMas não é a alma: é o próprio animal ou homemDa maneira como existe.E penso que talvez haja entesEm que as duas coisas coincidamE tenham o mesmo tamanho.E que estes entes serão os deuses,Que existem porque assim é que completamente se existe,Que não morrem porque são iguais a si mesmos,Que podem mentir porque não têm divisão [?]Entre quem são e quem são,E talvez não nos amem, nem nos queiram, nem nos apareçamPorque o que é perfeito não precisa de nada. Alberto Caeiro Viajar pela leituraViajar pela leiturasem rumo, sem intenção.Só para viver a aventuraque é ter um livro nas mãos.É uma pena que só saiba dissoquem gosta de ler.Experimente!Assim sem compromisso,você vai me entender.Mergulhe de cabeçana imaginação! Clarice Pacheco O aviador interior O ar não se vênão se sente não se ouvemas quanto mais se sobemais não sei quê.E quando se sobesem sair do chão?Quando a cabeça se movee o resto do corpo não?A cabeça subindopelo lado de dentroe o teu pensamentotão limpo e tão lindo. Manuel António Pina in O pássaro da cabeça O Limpa-palavras Limpo palavras.Recolho-as à noite, por todo o lado:a palavra bosque, a palavra casa, a palavra flor.Trato delas durante o diaenquanto sonho acordado.A palavra solidão faz-me companhia. Quase todas as palavrasprecisam de ser limpas e acariciadas:a palavra céu, a palavra nuvem, a palavra mar.Algumas têm mesmo de ser lavadas,é preciso raspar-lhes a sujidade dos diase do mau uso.Muitas chegam doentes,outras simplesmente gastas, estafadas,dobradas pelo peso das coisasque trazem às costas. A palavra pedra pesa como uma pedra.A palavra rosa espalha o perfume no ar.A palavra árvore tem folhas, ramos altos.Podes descansar à sombra dela.A palavra gato espeta as unhas no tapete.A palavra pássaro abre as asas para voar.A palavra coração não pára de bater.Ouve-se a palavra canção.A palavra vento levanta os papeis no are é preciso fechá-la na arrecadação. No fim de tudo voltam os olhos para a luze vão para longe,leves palavras voadorassem nada que as prenda à terra,outra vez nascidas pela minha mão:a palavra estrela, a palavra ilha, a palavra pão. A palavra obrigado agradece-me.As outras não.A palavra adeus despede-se.As outras já lá vão, belas palavras lisase lavadas como seixos do rio:a palavra ciúme, a palavra raiva, a palavra frio. Vão à procura de quem as queira dizer,de mais palavras e de novos sentidos.Basta estenderes a mão para apanharesa palavra barco ou a palavra amor. Limpo palavras.A palavra búzio, a palavra lua, a palavra palavra.Recolho-as à noite, trato delas durante o dia.A palavra fogão cozinha o meu jantar.A palavra brisa refresca-me.A palavra solidão faz-me companhia. O Limpa-palavras in O Limpa-Palavras e outros poemas de Álvaro Magalhães A minha cidade A minha cidadeé uma floresta de cimentoque não baloiça ao vento. A minha cidadebrilha de noitecom um sol caseiroem cada candeeiro. A minha cidadeTem motores a pulsarE corações esquecidos de amar. A minha cidadetem voos de gaivotas, brancos,mas todos sonhamcom o voo das notasa sair dos bancos. Luísa Ducla Soares in A Cavalo no Tempo Quem a tem...Não hei-de morrer sem saberqual a cor da liberdade.eu não posso senão serdesta terra em que nasci.embora ao mundo pertençaE sempre a verdade vença,qual será ser livre aqui,não hei-de morrer sem saber.trocaram tudo em maldade,é quase um crime viver.Mas embora escondam tudoe me queiram cego e mudo,não hei-de morrer sem saberqual a cor da liberdade. Jorge de Sena Basta imaginar um pássaro para o aprisionarmos e depois imaginar o ar para o libertar e imaginar asas para ele voar e imaginar uma canção para ele cantar. Poema de Manuel António Pina