Semana da leitura 2021_BE José Saraiva
Biblioteca da EB 2,3 José Saraiva
Created on March 16, 2021
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Transcript
O que tu és
És Aquela que tudo te entristece
Irrita e amargura, tudo humilha;
Aquela a quem a Mágoa chamou filha;
A que aos homens e a Deus nada merece.
Aquela que o sol claro entenebrece
A que nem sabe a estrada que ora trilha,
Que nem um lindo amor de maravilha
Sequer deslumbra, e ilumina e aquece!
Mar-Morto sem marés nem ondas largas,
A rastejar no chao como as mendigas,
Todo feito de lágrimas amargas!
És ano que nao teve Primavera...
Ah! Nao seres como as outras raparigas
Ó Princesa Encantada da Quimera!...
Florbela Espanca
Diz o Avô
Tens cabelos brancos.
Mas porquê, avô?
Caiu muita neve
na estrada onde vou.
Tens rugas na face.
Mas porquê, avô?
Bateu muito sol
na estrada onde vou.
Tens olhos baços.
Mas porquê, avô?
Pousou nevoeiro
na estrada onde vou.
Tens calos nas mãos.
Mas porquê, avô?
Parti muita pedra
na estrada onde vou.
Tens coração grande.
Mas porquê, avô?
Nele mora a gente
que por mim passou.
Luísa Ducla Soares in A Cavalo no Tempo
Sim, talvez tenham razão
Sim, talvez tenham razão.
Talvez em cada coisa uma coisa oculta more,
Mas essa coisa oculta é a mesma
Que a coisa sem ser oculta.
Na planta, na árvore, na flor
(Em tudo que vive sem fala
E é uma consciência e não o com que se faz uma consciência),
No bosque que não é árvores mas bosque,
Total das árvores sem soma,
Mora uma ninfa, a vida exterior por dentro
Que lhes dá a vida;
Que floresce com o florescer deles
E é verde no seu verdor.
No animal e no homem entra.
Vive por fora por dentro
É um já dentro por fora,
Dizem os filósofos que isto é a alma
Mas não é a alma: é o próprio animal ou homem
Da maneira como existe.
E penso que talvez haja entes
Em que as duas coisas coincidam
E tenham o mesmo tamanho.
E que estes entes serão os deuses,
Que existem porque assim é que completamente se existe,
Que não morrem porque são iguais a si mesmos,
Que podem mentir porque não têm divisão [?]
Entre quem são e quem são,
E talvez não nos amem, nem nos queiram, nem nos apareçam
Porque o que é perfeito não precisa de nada.
Alberto Caeiro
Viajar pela leitura
Viajar pela leitura
sem rumo, sem intenção.
Só para viver a aventura
que é ter um livro nas mãos.
É uma pena que só saiba disso
quem gosta de ler.
Experimente!
Assim sem compromisso,
você vai me entender.
Mergulhe de cabeça
na imaginação!
O aviador interior
O ar não se vê
não se sente não se ouve
mas quanto mais se sobe
mais não sei quê.
E quando se sobe
sem sair do chão?
Quando a cabeça se move
e o resto do corpo não?
A cabeça subindo
pelo lado de dentro
e o teu pensamento
tão limpo e tão lindo.
Manuel António Pina in O pássaro da cabeça
O Limpa-palavras
Limpo palavras.
Recolho-as à noite, por todo o lado:
a palavra bosque, a palavra casa, a palavra flor.
Trato delas durante o dia
enquanto sonho acordado.
A palavra solidão faz-me companhia.
Quase todas as palavras
precisam de ser limpas e acariciadas:
a palavra céu, a palavra nuvem, a palavra mar.
Algumas têm mesmo de ser lavadas,
é preciso raspar-lhes a sujidade dos dias
e do mau uso.
Muitas chegam doentes,
outras simplesmente gastas, estafadas,
dobradas pelo peso das coisas
que trazem às costas.
A palavra pedra pesa como uma pedra.
A palavra rosa espalha o perfume no ar.
A palavra árvore tem folhas, ramos altos.
Podes descansar à sombra dela.
A palavra gato espeta as unhas no tapete.
A palavra pássaro abre as asas para voar.
A palavra coração não pára de bater.
Ouve-se a palavra canção.
A palavra vento levanta os papeis no ar
e é preciso fechá-la na arrecadação.
No fim de tudo voltam os olhos para a luz
e vão para longe,
leves palavras voadoras
sem nada que as prenda à terra,
outra vez nascidas pela minha mão:
a palavra estrela, a palavra ilha, a palavra pão.
A palavra obrigado agradece-me.
As outras não.
A palavra adeus despede-se.
As outras já lá vão, belas palavras lisas
e lavadas como seixos do rio:
a palavra ciúme, a palavra raiva, a palavra frio.
Vão à procura de quem as queira dizer,
de mais palavras e de novos sentidos.
Basta estenderes a mão para apanhares
a palavra barco ou a palavra amor.
Limpo palavras.
A palavra búzio, a palavra lua, a palavra palavra.
Recolho-as à noite, trato delas durante o dia.
A palavra fogão cozinha o meu jantar.
A palavra brisa refresca-me.
A palavra solidão faz-me companhia.
O Limpa-palavras in O Limpa-Palavras e outros poemas de Álvaro Magalhães
A minha cidade
A minha cidade
é uma floresta de cimento
que não baloiça ao vento.
A minha cidade
brilha de noite
com um sol caseiro
em cada candeeiro.
A minha cidade
Tem motores a pulsar
E corações esquecidos de amar.
A minha cidade
tem voos de gaivotas, brancos,
mas todos sonham
com o voo das notas
a sair dos bancos.
Luísa Ducla Soares in A Cavalo no Tempo
Quem a tem...
Não hei-de morrer sem saber
qual a cor da liberdade.
eu não posso senão ser
desta terra em que nasci.
embora ao mundo pertença
E sempre a verdade vença,
qual será ser livre aqui,
não hei-de morrer sem saber.
trocaram tudo em maldade,
é quase um crime viver.
Mas embora escondam tudo
e me queiram cego e mudo,
não hei-de morrer sem saber
qual a cor da liberdade.
Jorge de Sena
Basta imaginar
um pássaro para o aprisionarmos
e depois imaginar o ar para o libertar
e imaginar asas para ele voar
e imaginar uma canção para ele cantar.
Poema de Manuel António Pina