Dia Mundial da Poesia
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Created on March 15, 2021
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Transcript
Ensino básico
Aconteceu poesia
A Poesia
Não é tão rara como parece.
Na mais ínfima das coisas
A Poesia acontece.
Aconteceu Poesia
Quando em teus olhos cor do céu
Vi o pedaço de céu que me cabia.
Aconteceu Poesia
Quando as tuas mãos,
Numa carícia vaga,
Moldaram em meu rosto o ar de angústia
Que o tempo não apaga.
Aconteceu Poesia
Quando em teus olhos cor do céu
Vi o pedaço de céu que me fugia.
E até no dia em que morreste,
Mãe,
Aconteceu Poesia.
Fernando Vieira
Ensino Secundário
Tempo de poesia
Todo o tempo é de poesia
Desde a névoa da manhã
à névoa do outo dia.
Desde a quentura do ventre
à frigidez da agonia
Todo o tempo é de poesia
Entre bombas que deflagram.
Corolas que se desdobram.
Corpos que em sangue soçobram.
Vidas qua amar se consagram.
Sob a cúpula sombria
das mãos que pedem vingança.
Sob o arco da aliança
da celeste alegoria.
Todo o tempo é de poesia.
Desde a arrumação ao caos
à confusão da harmonia.
António Gedeão
Ensino Básico
My Shadow
I have a little shadow that goes in and out with me,
And what can be the use of him is more than I can see.
He is very, very like me from the heels up to the head;
And I see him jump before me, when I jump into my bed.
The funniest thing about him is the way he likes to grow—
Not at all like proper children, which is always very slow;
For he sometimes shoots up taller like an india-rubber ball,
And he sometimes gets so little that there's none of him at all.
He hasn't got a notion of how children ought to play,
And can only make a fool of me in every sort of way.
He stays so close beside me, he's a coward you can see;
I'd think shame to stick to nursie as that shadow sticks to me!
One morning, very early, before the sun was up,
I rose and found the shining dew on every buttercup;
But my lazy little shadow, like an arrant sleepy-head,
Had stayed at home behind me and was fast asleep in bed.
ROBERT LOUIS STEVENSON
Ensino Secundário
LEISURE
What is this life if, full of care,
We have no time to stand and stare.
No time to stand beneath the boughs
And stare as long as sheep or cows.
No time to see, when woods we pass,
Where squirrels hide their nuts in grass.
No time to see, in broad daylight,
Streams full of stars, like skies at night.
No time to turn at Beauty's glance,
And watch her feet, how they can dance.
No time to wait till her mouth can
Enrich that smile her eyes began.
A poor life this if, full of care,
We have no time to stand and stare.
William Henry Davies
MON STYLO
Si mon stylo était magique,
Avec des mots en herbe,
J’écrirais des poèmes superbes,
Avec des mots en cage,
J’écrirais des poèmes sauvages.
Si mon stylo était artiste,
Avec les mots les plus bêtes,
J’écrirais des poèmes en fête,
Avec des mots de tous les jours,
J’écrirais des poèmes d’amour.
Mais mon stylo est un farceur
Qui n’en fait qu’à sa tête,
Et mes poèmes, sur mon cœur,
Font des pirouettes.
Robert GÉLIS
POUR TOI MON AMOUR
Je suis allé au marché aux oiseaux
Et j'ai acheté des oiseaux
Pour toi
Mon amour
Je suis allé au marché aux fleurs
Et j'ai acheté des fleurs
Pour toi
Mon amour
Je suis allé au marché à la ferraille
Et j'ai acheté des chaines, de lourdes chaines
Pour toi
Mon amour
Et puis, je suis allé au marché aux esclaves
Et je t'ai cherchée
Mais je ne t'ai pas trouvée
Mon amour
Jacques Prévert
Ensino Básico
Baile
La Carmen está bailando
por las calles de Sevilla.
Tiene blancos los cabelos
y brillantes las pupilas.
¡Niñas,
corred las cortinas!
En su cabeza se enrosca
una serpiente amarilla,
y va soñando en el baile
con galanes de otros días.
¡Niñas,
corred las cortinas!
Las calles están desiertas
y en los fondos se adivinan,
corazones andaluces
buscando viejas espinas.
¡Niñas,
corred las cortinas!
Federico García Lorca
Ensino Secundário
PUEDO escribir los versos más tristes esta noche.
Escribir, por ejemplo: "La noche está estrellada,
y tiritan, azules, los astros, a lo lejos".
El viento de la noche gira en el cielo y canta.
Puedo escribir los versos más tristes esta noche.
Yo la quise, y a veces ella también me quiso.
En las noches como esta la tuve entre mis brazos.
La besé tantas veces bajo el cielo infinito.
Ella me quiso, a veces yo también la quería.
Cómo no haber amado sus grandes ojos fijos.
Puedo escribir los versos más tristes esta noche.
Pensar que no la tengo. Sentir que la he perdido.
Oir la noche inmensa, más inmensa sin ella.
Y el verso cae al alma como al pasto el rocío.
Qué importa que mi amor no pudiera guardarla.
La noche está estrellada y ella no está conmigo.
Eso es todo. A lo lejos alguien canta. A lo lejos.
Mi alma no se contenta con haberla perdido.
Como para acercarla mi mirada la busca.
Mi corazón la busca, y ella no está conmigo.
La misma noche que hace blanquear los mismos árboles.
Nosotros, los de entonces, ya no somos los mismos.
Ya no la quiero, es cierto, pero cuánto la quise.
Mi voz buscaba el viento para tocar su oído.
De otro. Será de otro. Como antes de mis besos.
Su voz, su cuerpo claro. Sus ojos infinitos.
Ya no la quiero, es cierto, pero tal vez la quiero.
Es tan corto el amor, y es tan largo el olvido.
Porque en noches como ésta la tuve entre mis brazos,
mi alma no se contenta con haberla perdido.
Aunque éste sea el último dolor que ella me causa,
y éstos sean los últimos versos que yo le escribo.
Pablo Neruda
Ensino Básico
História de uma conta de somar
Uma conta de somar
sensível às coisas belas
pôs-se a contar as estrelas
numa noite de luar.
Estava ela a olhar o céu
somando infinitamente
quando uma estrela cadente
luziu e desapareceu...
Com uma parcela cadente
não estava a conta a contar!
Que fazer? Passar à frente?
Contá-la? Não a contar?
Fazer de conta que não
se dera conta de nada?
Mas, e depois, a adição?
Não daria conta errada?
E quando ela fosse dar
contas à prova dos nove?
Ia a prova acreditar
em parcelas que se movem?
E a conta achou-se a contas
contemplando o céu sereno
com um problema terreno
difícil de resolver.
A solução que encontrou
foi terra-a-terra também:
quando um problema não tem
solução já se solucionou...
E, contas feitas, a conta
decidiu fazer de conta...
Estava a contar estrelas,
não a tomar conta delas!
Fingiu, pois, que não deu conta
da escapadela da estrela,
afinal a vida dela
não era da sua conta!
Só que enquanto fazia
tais contas à conta dela
a manhã amanhecia
e apagavam-se as estrelas.
Nasceu o sol, fez-se dia,
e o quadro negro do céu
aonde a conta fazia
contas desapareceu...
Nunca antes uma conta
teve tanto que contar
como a conta de somar
que quis contar as estrelas!
Manuel António Pina
Ensino Secundário
Poesia matemática
Às folhas tantas
do livro matemático
um Quociente apaixonou-se
um dia
doidamente
por uma Incógnita.
Olhou-a com seu olhar inumerável
e viu-a do ápice à base
uma figura ímpar;
olhos rombóides, boca trapezóide,
corpo retangular, seios esferóides.
Fez de sua uma vida
paralela à dela
até que se encontraram
no infinito.
"Quem és tu?", indagou ele
em ânsia radical.
"Sou a soma do quadrado dos catetos.
Mas pode me chamar de Hipotenusa."
E de falarem descobriram que eram
(o que em aritmética corresponde
a almas irmãs)
primos entre si.
E assim se amaram
ao quadrado da velocidade da luz
numa sexta potenciação
traçando
ao sabor do momento
e da paixão
retas, curvas, círculos e linhas sinoidais
nos jardins da quarta dimensão.
Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclidianas
e os exegetas do Universo Finito.
Romperam convenções newtonianas e pitagóricas.
E enfim resolveram se casar
constituir um lar,
mais que um lar,
um perpendicular.
Convidaram para padrinhos
o Poliedro e a Bissetriz.
E fizeram planos, equações e diagramas para o futuro
sonhando com uma felicidade
integral e diferencial.
E se casaram e tiveram uma secante e três cones
muito engraçadinhos.
E foram felizes
até aquele dia
em que tudo vira afinal
monotonia.
Foi então que surgiu
O Máximo Divisor Comum
frequentador de círculos concêntricos,
viciosos.
Ofereceu-lhe, a ela,
uma grandeza absoluta
e reduziu-a a um denominador comum.
Ele, Quociente, percebeu
que com ela não formava mais um todo,
uma unidade.
Era o triângulo,
tanto chamado amoroso.
Desse problema ela era uma fração,
a mais ordinária.
Mas foi então que Einstein descobriu a Relatividade
e tudo que era espúrio passou a ser
moralidade
como aliás em qualquer
sociedade.
Millôr Fernandes
Ciência ou poesia?
Entre focos de prazer:
ciência ou poesia,
pergunto, o que fazia
se tivesse de escolher.
Ciência e poesia...
acho que me apetecia
fazer desta maneira:
as duas na algibeira!
A ciência escolheria
Se quisesse mais rigor,
com saber eu saberia
como cresce uma flor.
E olhando essa flor
a colhesse com alegria
e oferecesse em amor,
embrulhava em poesia...
Se em vez de perceber
eu quisesse antes dizer
o que a fórmula não diria,
escolheria então a poesia...
Não vou escolher, mas juntar
Trago ciência e poesia.
Ciência é luz a brilhar,
poesia é luz no meu dia
João Paiva
Poesia sobre o ciclo das rochas
Pra quem vive neste Planeta
E que pisa nesse chão,
O ciclo das Rochas
Eu trago com admiração,
Nesse texto resumido
Do magma ao metamorfismo
Passará por minha mão...
O material rochoso
Quando vem a se fundir,
Transforma-se em magma
Que no vulcão vai fluir.
De lava é chamado
E quando cristalizado
Rochas Ígneas faz surgir!
Nas áreas vulcânicas
Há de se observar
Que as rochas mais comuns,
Os Basaltos (até o Vesicular),
Têm arranjo aleatório
O que não é notório
Pois os minerais, não dá pra se enxergar!
Se a Ígnea Vulcânica
Vira Rocha na superfície,
A Ígnea Plutônica
Não chega aqui na planície,
Gerando o Gabro e o Granito
Pois o Diabásio é um tipo
Mais próximo da superfície!
Pra continuar o Ciclo
Eu trago detalhes,
Sobre outra classe de Rochas
Que são as Sedimentares.
Frutos da erosão
Percorrem vários lugares
Antes de se depositarem
E em rocha se tornarem!
As Sedimentares detríticas
Como o Argilito e o Siltito
Tem o tato macio,
Diferente do Arenito
Que é áspero e friável
Muito mais erodível
Perante os outros tipos.
Conglomerados e Brechas
Não tem estratificação,
Mesmo assim são detríticas
O que os Calcários não são
São Calcita e Dolomita
As classes desse tipo
São químicas, com razão!
A Pressão e a Temperatura
Agindo prolongadamente
Sobre um corpo rochoso
Nas profundezas do chão
Causam a transformação
Do material em questão!
O metamorfismo pode ser
De Contato ou Regional
Mudando as estruturas
Daquele material.
É a recristalização
Dobra, foliação...
A Ardósia é a primeira
No grau de metamorfismo
Depois vem o Filito,
Que é anterior ao Xisto.
O Gnaisse é bandado
E o migmatito, ondulado...
Qualquer das rochas
Está sujeita à alteração,
Em se tratando de um ciclo
Aberto à ocasião.
Pois a natureza não erra,
Quando compõe a Terra:
É pura imaginação!
Leandro Caetano de Magalhães
Tecnologia
Pipas (*) não mais são alçadas.
Inexistem crianças nas calçadas.
Não vejo pernas raladas,
Apenas pontas de dedos calejadas.
Uma juventude robotizada,
“Gigabytes” de memória aguçada,
Praticamente não esquecem nada,
Quando esquecem, no computador dão uma olhada.
Adolescentes em busca de namoradas,
Salas de bate-papo on-line lotadas.
E a nossa criatividade sempre apontada.
Pela tecnologia é totalmente ofuscada.
E com isso a imaginação é congelada,
Parada, obstruída... Assassinada.
Para a diversão, basta uma busca caprichada...
Na internet, a qualquer clique damos uma gargalhada.
Poesias no computador são digitadas,
Não existem mais rascunhos com palavras riscadas.
Não acredito... Vendi-me a tecnologia apresentada,
Acho que a simplicidade de cadernos de poesia foi trocada...
(*) à papagaio de papel
Física
Colho esta luz solar à minha volta,
no meu prisma e disperso e recomponho:
rumor de sete cores, silêncio branco.
Como flechas disparadas do seu arco,
do violeta ao vermelho percorremos
o inteiro espaço que aberto no suspiro
se remata convulso em grito rouco.
Depois todo o rumor se reconverte
tornam as cores ao prisma que define
à luz solar de ti ao silêncio.
José Saramago
Solução
Eu quero uma solução
homogénea, preparada,
coisa certa, controlada
para ter tudo na mão.
Solução para questão
que não ouso resolver.
Diluída num balão
elixir p'ra me entreter.
Faço centrifugação
para ter ar uniforme
uso varinha conforme,
seja mágica ou não.
Busco uma solução
tudo lindo, direitinho
eu quero ter tudo certinho
ter o mundo nesta mão.
Procuro mistura, então
aqueço tudo em cadinho.
E vejo não ter solução
mas apenas um caminho...
João Paiva
AUTOPSICOGRAFIA
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
Fernando Pessoa
Dito por David Fonseca: https://www.youtube.com/watch?v=rAZNcgT0E00
Poema para Galileo
Estou olhando o teu retrato, meu velho pisano,
aquele teu retrato que toda a gente conhece,
em que a tua bela cabeça desabrocha e floresce
sobre um modesto cabeção de pano.
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da tua velha Florença.
(Não, não, Galileo! Eu não disse Santo Ofício.
Disse Galeria dos Ofícios.)
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da requintada Florença.
Lembras-te? A Ponte Vecchio, a Loggia, a Piazza della Signoria…
Eu sei… Eu sei…
As margens doces do Arno às horas pardas da melancolia.
Ai que saudade, Galileo Galilei!
Olha. Sabes? Lá em Florença
está guardado um dedo da tua mão direita num relicário.
Palavra de honra que está!
As voltas que o mundo dá!
Se calhar até há gente que pensa
que entraste no calendário.
Eu queria agradecer-te, Galileo,
a inteligência das coisas que me deste.
Eu,
e quantos milhões de homens como eu
a quem tu esclareceste,
ia jurar - que disparate, Galileo!
- e jurava a pés juntos e apostava a cabeca
sem a menor hesitação -
que os corpos caem tanto mais depressa
quanto mais pesados são.
Pois não é evidente, Galileo?
Quem acredita que um penedo caia
com a mesma rapidez que um botão de camisa ou que um seixo da praia?
Esta era a inteligência que Deus nos deu.
Estava agora a lembrar-me, Galileo,
daquela cena em que tu estavas sentado num escabelo
e tinhas à tua frente
um friso de homens doutos, hirtos, de toga e de capelo
a olharem-te severamente.
Estavam todos a ralhar contigo,
que parecia impossível que um homem da tua idade
e da tua condição,
se estivesse tornando num perigo
para a Humanidade
e para a Civilização.
Tu, embaraçado e comprometido, em silêncio mordiscavas os lábios,
e percorrias, cheio de piedade,
os rostos impenetráveis daquela fila de sábios.
Teus olhos habituados à observação dos satélites e das estrelas,
desceram lá das suas alturas
e poisaram, como aves aturdidas - parece que estou a vê-las -,
nas faces grávidas daquelas reverendíssimas criaturas.
E tu foste dizendo a tudo que sim, que sim senhor, que era tudo tal qual
conforme suas eminências desejavam,
e dirias que o Sol era quadrado e a Lua pentagonal
e que os astros bailavam e entoavam
à meia-noite louvores à harmonia universal.
E juraste que nunca mais repetirias
nem a ti mesmo, na própria intimidade do teu pensamento, livre e calma,
aquelas abomináveis heresias
que ensinavas e escrevias
para eterna perdição da tua alma.
Ai, Galileo!
Mal sabiam os teus doutos juízes, grandes senhores deste pequeno mundo,
que assim mesmo, empertigados nos seus cadeirões de braços,
andavam a correr e a rolar pelos espaços
à razão de trinta quilómetros por segundo.
Tu é que sabias, Galileo Galilei.
Por isso eram teus olhos misericordiosos,
por isso era teu coração cheio de piedade,
piedade pelos homens que não precisam de sofrer, homens ditosos
a quem Deus dispensou de buscar a verdade.
Por isso estoicamente, mansamente,
resististe a todas as torturas,
a todas as angústias, a todos os contratempos,
enquanto eles, do alto inacessível das suas alturas,
foram caindo,
caindo,
caindo,
caindo,
caindo sempre,
e sempre,
ininterruptamente,
na razão directa dos quadrados dos tempos.
António Gedeão
Dito por Mário Viegas: https://www.youtube.com/watch?v=nFUNeV8acN8
Ensino Básico
O Mostrengo
O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
A roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse: «Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?»
E o homem do leme disse, tremendo:
«El-Rei D. João Segundo!»
«De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?»
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso.
«Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?»
E o homem do leme tremeu, e disse:
«El-Rei D. João Segundo!»
Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer três vezes:
«Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!»
Fernando Pessoa
Dito por João Villaret: https://www.youtube.com/watch?v=L5Ihd-ECpYM
Ensino Secundário
Perguntas de um Operário Letrado
Quem construiu Tebas, a das sete portas?
Nos livros vem o nome dos reis,
Mas foram os reis que transportaram as pedras?
Babilónia, tantas vezes destruída,
Quem outras tantas a reconstruiu? Em que casas
Da Lima Dourada moravam seus obreiros?
No dia em que ficou pronta a Muralha da China para onde
Foram os seus pedreiros? A grande Roma
Está cheia de arcos de triunfo. Quem os ergueu? Sobre quem
Triunfaram os Césares? A tão cantada Bizâncio
Só tinha palácios
Para os seus habitantes? Até a legendária Atlântida
Na noite em que o mar a engoliu
Viu afogados gritar por seus escravos.
O jovem Alexandre conquistou as Índias
Sozinho?
César venceu os gauleses.
Nem sequer tinha um cozinheiro ao seu serviço?
Quando a sua armada se afundou Filipe de Espanha
Chorou. E ninguém mais?
Frederico II ganhou a guerra dos sete anos
Quem mais a ganhou?
Em cada página uma vitória.
Quem cozinhava os festins?
Em cada década um grande homem.
Quem pagava as despesas?
Tantas histórias
Quantas perguntas
Bertolt Brecht
Mapa
Plano como a mesa
na qual está colocado.
Debaixo dele nada se move
nem busca vazão.
Sobre ele - meu hálito humano
não cria vórtices de ar
e deixa toda a sua superfície
em silêncio.
Suas planícies, vales, são sempre verdes,
os planaltos, montanhas, amarelos e marrons
e os mares, oceanos, de um azul delicado
nas margens fendidas.
Tudo aqui é pequeno, próximo, acessível.
Posso tocar os vulcões com a ponta da unha,
acariciar os polos sem luvas grossas.
Com um olhar posso
abarcar cada deserto
junto com o rio logo ali ao lado.
Selvas são assinaladas com arvorezinhas
entre as quais seria difícil se perder.
No Ocidente e Oriente
acima e abaixo do equador —
assentou-se um manso silêncio.
Pontinhos pretos significam
que ali vivem pessoas.
Valas comuns e súbitas ruínas
não cabem nesse quadro.
As fronteiras dos países mal são visíveis
como se hesitassem entre ser e não ser.
Gosto dos mapas porque mentem.
Porque não dão acesso à dura verdade.
Porque, generosos e bem-humorados,
estendem-me na mesa um mundo
que não é deste mundo.
(Wisława Szymborska - Tradução: Regina Przybycień)
POÉTICA DE MERCADO
Quanto maior o risco,
Maior o lucro, dizem uns.
Cansei de riscar e arriscar poemas!
Nada mais ganhei do que dívidas
E dúvidas: com o português e as letras e as coisas…
Meu lastro poético continua esteticamente inútil.
Quem dera se uma letra minha se tornasse
De crédito: imobiliário ou agrícola!
Ah, se minhas palavras valessem como ações
E estivessem sempre em alta,
Prontas para a melhor venda!
Quanta sorte eu teria se minhas frases
Fossem títulos públicos de um tesouro direto
Ou um certificado de depósito bancário ou interbancário!
O problema é que minha poesia não rende, fixa-se
E me afundo nos fundos das ações que ficam imóveis.
Resta-me, talvez, apostar nos debêntures dos antigos poetas
E nos derivativos dos que estão por vir.
Se o passado não garante o futuro,
Quem é o futuro para garantir um passo dado?
É preciso, pois, fazer alquimia:
Transformar ouro em um padrão
Que tenha como lastro a Poesia.
Anónimo
Aula de ginástica: não quero
chegar atrasado.
Não posso perder o aquecimento
que se faz de braços lentos, de quadris perfeitos,
de lado direito semelhante ao esquerdo.
Preciso me concentrar, como se
para cada movimento
eu escrevesse a mesma palavra em vários idiomas.
A perna devagar se levanta
e lentamente vai ao chão para esmagar
o que depois veremos.
Pouco a pouco fico pronto
para a luta:
que venham as mais ferozes forças,
como os furacões no mar da América Central,
pois eu já estou feito.
O exercício me vicia em ser veloz,
mas foi apenas somando cada onda
que cheguei a formar isso que sou:
um corpo que o naufrágio abandonou.
Felipe Fortuna
Desenho
No papel branco
desenharei um Sol
bem amarelo
e no alto dum monte
um enorme castelo
entre campos lavrados
e povoarei a terra
de cavaleiros e de soldados.
Às nuvens darei
a forma de gente
(e haverá quem pense
que são gente a sério…)
e ouvir-se-á
pela noite fora
os uivos dos lobos
até vir a aurora
que desfará o medo
e o mistério…
E chegará a noite...
tombarei de sono...
Castelo, soldados,
e os campos lavrados
e os lobos esfaimados
tudo deixarei
sobre o papel
ao abandono...
Dormirei tranquilo
e amanhã estarei
sentado no banco
de novo a sonhar.
e no papel branco
desenharei aquilo
que hoje não fui capaz:
um castelo
um sol amarelo
e as pessoas
em paz.
Alice Vieira
Lágrima de preta
Encontrei uma preta
que estava a chorar,
pedi-lhe uma lágrima
para a analisar.
Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.
Olhei-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.
Mandei vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.
Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:
Nem sinais de negro,
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.
António Gedeão
Musicado e cantado por Manuel Freire: https://www.youtube.com/watch?v=v2AXsH_miaQ
Sabes leitor, que estamos ambos na mesma página
E aproveito o facto de teres chegado agora
Para te explicar como vejo o crescer de uma magnólia.
A magnólia cresce na terra que pisas - podes pensar
Que te digo alguma coisa não necessária, mas podia ter-te dito, acredita,
Que a magnólia te cresce como um livro entre as mãos. Ou melhor,
Que a magnólia - e essa é a verdade - cresce sempre
Apesar de nós.
Esta raiz para a palavra que ela lançou no poema
Pode bem significar que no ramo que ficar desse lado
A flor que se abrir é já um pouco de ti, e a flor que te estendo,
Mesmo que a recuses
Nunca a poderei conhecer, nem jamais, por muito que a ame,
A colherei.
A magnólia estende contra a minha escrita a tua sombra
E eu toco na sombra da magnólia como se pegasse na tua mão.
Daniel Faria
As árvores como os livros têm folhas
e margens lisas ou recortadas,
e capas (isto é copas) e capítulos
de flores e letras de oiro nas lombadas.
E são histórias de reis, histórias de fadas,
as mais fantásticas aventuras,
que se podem ler nas suas páginas,
no pecíolo, no limbo, nas nervuras.
As florestas são imensas bibliotecas,
e até há florestas especializadas,
com faias, bétulas e um letreiro
a dizer: «Floresta das zonas temperadas».
É evidente que não podes plantar
no teu quarto, plátanos ou azinheiras.
Para começar a construir uma biblioteca,
basta um vaso de sardinheiras.
Jorge Sousa Braga