Want to make creations as awesome as this one?

Poemas adequados às disciplinas

Transcript

Ensino básico Aconteceu poesia A PoesiaNão é tão rara como parece.Na mais ínfima das coisasA Poesia acontece.Aconteceu PoesiaQuando em teus olhos cor do céuVi o pedaço de céu que me cabia.Aconteceu PoesiaQuando as tuas mãos,Numa carícia vaga,Moldaram em meu rosto o ar de angústiaQue o tempo não apaga.Aconteceu PoesiaQuando em teus olhos cor do céuVi o pedaço de céu que me fugia.E até no dia em que morreste,Mãe,Aconteceu Poesia. Fernando Vieira Ensino Secundário Tempo de poesia Todo o tempo é de poesia Desde a névoa da manhã à névoa do outo dia. Desde a quentura do ventre à frigidez da agonia Todo o tempo é de poesia Entre bombas que deflagram. Corolas que se desdobram. Corpos que em sangue soçobram. Vidas qua amar se consagram. Sob a cúpula sombria das mãos que pedem vingança. Sob o arco da aliança da celeste alegoria. Todo o tempo é de poesia. Desde a arrumação ao caos à confusão da harmonia. António Gedeão

Ensino Básico My Shadow I have a little shadow that goes in and out with me, And what can be the use of him is more than I can see. He is very, very like me from the heels up to the head; And I see him jump before me, when I jump into my bed. The funniest thing about him is the way he likes to grow— Not at all like proper children, which is always very slow; For he sometimes shoots up taller like an india-rubber ball, And he sometimes gets so little that there's none of him at all. He hasn't got a notion of how children ought to play, And can only make a fool of me in every sort of way. He stays so close beside me, he's a coward you can see; I'd think shame to stick to nursie as that shadow sticks to me! One morning, very early, before the sun was up, I rose and found the shining dew on every buttercup; But my lazy little shadow, like an arrant sleepy-head, Had stayed at home behind me and was fast asleep in bed. ROBERT LOUIS STEVENSON Ensino Secundário LEISURE What is this life if, full of care, We have no time to stand and stare. No time to stand beneath the boughs And stare as long as sheep or cows. No time to see, when woods we pass, Where squirrels hide their nuts in grass. No time to see, in broad daylight, Streams full of stars, like skies at night. No time to turn at Beauty's glance, And watch her feet, how they can dance. No time to wait till her mouth can Enrich that smile her eyes began. A poor life this if, full of care, We have no time to stand and stare. William Henry Davies

MON STYLO Si mon stylo était magique, Avec des mots en herbe, J’écrirais des poèmes superbes, Avec des mots en cage, J’écrirais des poèmes sauvages. Si mon stylo était artiste, Avec les mots les plus bêtes, J’écrirais des poèmes en fête, Avec des mots de tous les jours, J’écrirais des poèmes d’amour. Mais mon stylo est un farceur Qui n’en fait qu’à sa tête, Et mes poèmes, sur mon cœur, Font des pirouettes. Robert GÉLIS POUR TOI MON AMOUR Je suis allé au marché aux oiseaux Et j'ai acheté des oiseaux Pour toi Mon amour Je suis allé au marché aux fleurs Et j'ai acheté des fleurs Pour toi Mon amour Je suis allé au marché à la ferraille Et j'ai acheté des chaines, de lourdes chaines Pour toi Mon amour Et puis, je suis allé au marché aux esclaves Et je t'ai cherchée Mais je ne t'ai pas trouvée Mon amour Jacques Prévert

Ensino Básico Baile La Carmen está bailando por las calles de Sevilla. Tiene blancos los cabelos y brillantes las pupilas. ¡Niñas, corred las cortinas! En su cabeza se enrosca una serpiente amarilla, y va soñando en el baile con galanes de otros días. ¡Niñas, corred las cortinas! Las calles están desiertas y en los fondos se adivinan, corazones andaluces buscando viejas espinas. ¡Niñas, corred las cortinas! Federico García Lorca Ensino Secundário PUEDO escribir los versos más tristes esta noche. Escribir, por ejemplo: "La noche está estrellada, y tiritan, azules, los astros, a lo lejos". El viento de la noche gira en el cielo y canta. Puedo escribir los versos más tristes esta noche. Yo la quise, y a veces ella también me quiso. En las noches como esta la tuve entre mis brazos. La besé tantas veces bajo el cielo infinito. Ella me quiso, a veces yo también la quería. Cómo no haber amado sus grandes ojos fijos. Puedo escribir los versos más tristes esta noche. Pensar que no la tengo. Sentir que la he perdido. Oir la noche inmensa, más inmensa sin ella. Y el verso cae al alma como al pasto el rocío. Qué importa que mi amor no pudiera guardarla. La noche está estrellada y ella no está conmigo. Eso es todo. A lo lejos alguien canta. A lo lejos. Mi alma no se contenta con haberla perdido. Como para acercarla mi mirada la busca. Mi corazón la busca, y ella no está conmigo. La misma noche que hace blanquear los mismos árboles. Nosotros, los de entonces, ya no somos los mismos. Ya no la quiero, es cierto, pero cuánto la quise. Mi voz buscaba el viento para tocar su oído. De otro. Será de otro. Como antes de mis besos. Su voz, su cuerpo claro. Sus ojos infinitos. Ya no la quiero, es cierto, pero tal vez la quiero. Es tan corto el amor, y es tan largo el olvido. Porque en noches como ésta la tuve entre mis brazos, mi alma no se contenta con haberla perdido. Aunque éste sea el último dolor que ella me causa, y éstos sean los últimos versos que yo le escribo. Pablo Neruda

Ensino Básico História de uma conta de somar Uma conta de somar sensível às coisas belas pôs-se a contar as estrelas numa noite de luar. Estava ela a olhar o céu somando infinitamente quando uma estrela cadente luziu e desapareceu... Com uma parcela cadente não estava a conta a contar! Que fazer? Passar à frente? Contá-la? Não a contar? Fazer de conta que não se dera conta de nada? Mas, e depois, a adição? Não daria conta errada? E quando ela fosse dar contas à prova dos nove? Ia a prova acreditar em parcelas que se movem? E a conta achou-se a contas contemplando o céu sereno com um problema terreno difícil de resolver. A solução que encontrou foi terra-a-terra também: quando um problema não tem solução já se solucionou... E, contas feitas, a conta decidiu fazer de conta... Estava a contar estrelas, não a tomar conta delas! Fingiu, pois, que não deu conta da escapadela da estrela, afinal a vida dela não era da sua conta! Só que enquanto fazia tais contas à conta dela a manhã amanhecia e apagavam-se as estrelas. Nasceu o sol, fez-se dia, e o quadro negro do céu aonde a conta fazia contas desapareceu... Nunca antes uma conta teve tanto que contar como a conta de somar que quis contar as estrelas! Manuel António Pina Ensino Secundário Poesia matemática Às folhas tantas do livro matemático um Quociente apaixonou-se um dia doidamente por uma Incógnita. Olhou-a com seu olhar inumerável e viu-a do ápice à base uma figura ímpar; olhos rombóides, boca trapezóide, corpo retangular, seios esferóides. Fez de sua uma vida paralela à dela até que se encontraram no infinito. "Quem és tu?", indagou ele em ânsia radical. "Sou a soma do quadrado dos catetos. Mas pode me chamar de Hipotenusa." E de falarem descobriram que eram (o que em aritmética corresponde a almas irmãs) primos entre si. E assim se amaram ao quadrado da velocidade da luz numa sexta potenciação traçando ao sabor do momento e da paixão retas, curvas, círculos e linhas sinoidais nos jardins da quarta dimensão. Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclidianas e os exegetas do Universo Finito. Romperam convenções newtonianas e pitagóricas. E enfim resolveram se casar constituir um lar, mais que um lar, um perpendicular. Convidaram para padrinhos o Poliedro e a Bissetriz. E fizeram planos, equações e diagramas para o futuro sonhando com uma felicidade integral e diferencial. E se casaram e tiveram uma secante e três cones muito engraçadinhos. E foram felizes até aquele dia em que tudo vira afinal monotonia. Foi então que surgiu O Máximo Divisor Comum frequentador de círculos concêntricos, viciosos. Ofereceu-lhe, a ela, uma grandeza absoluta e reduziu-a a um denominador comum. Ele, Quociente, percebeu que com ela não formava mais um todo, uma unidade. Era o triângulo, tanto chamado amoroso. Desse problema ela era uma fração, a mais ordinária. Mas foi então que Einstein descobriu a Relatividade e tudo que era espúrio passou a ser moralidade como aliás em qualquer sociedade. Millôr Fernandes

Ciência ou poesia? Entre focos de prazer: ciência ou poesia, pergunto, o que fazia se tivesse de escolher. Ciência e poesia... acho que me apetecia fazer desta maneira: as duas na algibeira! A ciência escolheria Se quisesse mais rigor, com saber eu saberia como cresce uma flor. E olhando essa flor a colhesse com alegria e oferecesse em amor, embrulhava em poesia... Se em vez de perceber eu quisesse antes dizer o que a fórmula não diria, escolheria então a poesia... Não vou escolher, mas juntar Trago ciência e poesia. Ciência é luz a brilhar, poesia é luz no meu dia João Paiva

Poesia sobre o ciclo das rochas Pra quem vive neste Planeta E que pisa nesse chão, O ciclo das Rochas Eu trago com admiração, Nesse texto resumido Do magma ao metamorfismo Passará por minha mão... O material rochoso Quando vem a se fundir, Transforma-se em magma Que no vulcão vai fluir. De lava é chamado E quando cristalizado Rochas Ígneas faz surgir! Nas áreas vulcânicas Há de se observar Que as rochas mais comuns, Os Basaltos (até o Vesicular), Têm arranjo aleatório O que não é notório Pois os minerais, não dá pra se enxergar! Se a Ígnea Vulcânica Vira Rocha na superfície, A Ígnea Plutônica Não chega aqui na planície, Gerando o Gabro e o Granito Pois o Diabásio é um tipo Mais próximo da superfície! Pra continuar o Ciclo Eu trago detalhes, Sobre outra classe de Rochas Que são as Sedimentares. Frutos da erosão Percorrem vários lugares Antes de se depositarem E em rocha se tornarem! As Sedimentares detríticas Como o Argilito e o Siltito Tem o tato macio, Diferente do Arenito Que é áspero e friável Muito mais erodível Perante os outros tipos. Conglomerados e Brechas Não tem estratificação, Mesmo assim são detríticas O que os Calcários não são São Calcita e Dolomita As classes desse tipo São químicas, com razão! A Pressão e a Temperatura Agindo prolongadamente Sobre um corpo rochoso Nas profundezas do chão Causam a transformação Do material em questão! O metamorfismo pode ser De Contato ou Regional Mudando as estruturas Daquele material. É a recristalização Dobra, foliação... A Ardósia é a primeira No grau de metamorfismo Depois vem o Filito, Que é anterior ao Xisto. O Gnaisse é bandado E o migmatito, ondulado... Qualquer das rochas Está sujeita à alteração, Em se tratando de um ciclo Aberto à ocasião. Pois a natureza não erra, Quando compõe a Terra: É pura imaginação! Leandro Caetano de Magalhães

Tecnologia Pipas (*) não mais são alçadas. Inexistem crianças nas calçadas. Não vejo pernas raladas, Apenas pontas de dedos calejadas. Uma juventude robotizada, “Gigabytes” de memória aguçada, Praticamente não esquecem nada, Quando esquecem, no computador dão uma olhada. Adolescentes em busca de namoradas, Salas de bate-papo on-line lotadas. E a nossa criatividade sempre apontada. Pela tecnologia é totalmente ofuscada. E com isso a imaginação é congelada, Parada, obstruída... Assassinada. Para a diversão, basta uma busca caprichada... Na internet, a qualquer clique damos uma gargalhada. Poesias no computador são digitadas, Não existem mais rascunhos com palavras riscadas. Não acredito... Vendi-me a tecnologia apresentada, Acho que a simplicidade de cadernos de poesia foi trocada... (*) à papagaio de papel Luan Mordegane Pupo

Física Colho esta luz solar à minha volta, no meu prisma e disperso e recomponho: rumor de sete cores, silêncio branco. Como flechas disparadas do seu arco, do violeta ao vermelho percorremos o inteiro espaço que aberto no suspiro se remata convulso em grito rouco. Depois todo o rumor se reconverte tornam as cores ao prisma que define à luz solar de ti ao silêncio. José Saramago

Solução Eu quero uma solução homogénea, preparada, coisa certa, controlada para ter tudo na mão. Solução para questão que não ouso resolver. Diluída num balão elixir p'ra me entreter. Faço centrifugação para ter ar uniforme uso varinha conforme, seja mágica ou não. Busco uma solução tudo lindo, direitinho eu quero ter tudo certinho ter o mundo nesta mão. Procuro mistura, então aqueço tudo em cadinho. E vejo não ter solução mas apenas um caminho... João Paiva

AUTOPSICOGRAFIA O poeta é um fingidor. Finge tão completamente Que chega a fingir que é dor A dor que deveras sente. E os que lêem o que escreve, Na dor lida sentem bem, Não as duas que ele teve, Mas só a que eles não têm. E assim nas calhas de roda Gira, a entreter a razão, Esse comboio de corda Que se chama coração. Fernando Pessoa Dito por David Fonseca: https://www.youtube.com/watch?v=rAZNcgT0E00

Tudo é foi Fecho os olhos por instantes.Abro os olhos novamente.Neste abrir e fechar de olhosjá todo o mundo é diferente.Já outro ar me rodeia;outros lábios o respiram;outros aléns se tingiramde outro Sol que os incendeia.Outras árvores se floriram;outro vento as despenteia;outras ondas invadiramoutros recantos de areia.Momento, tempo esgotado,fluidez sem transparência.Presença, espectro da ausência,cadáver desenterrado.Combustão perene e fria.Corpo que a arder arrefece.Incandescência sombria.Tudo é foi. Nada acontece.ANTÓNIO GEDEÃO Poema para Galileo Estou olhando o teu retrato, meu velho pisano, aquele teu retrato que toda a gente conhece, em que a tua bela cabeça desabrocha e floresce sobre um modesto cabeção de pano. Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da tua velha Florença. (Não, não, Galileo! Eu não disse Santo Ofício. Disse Galeria dos Ofícios.) Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da requintada Florença. Lembras-te? A Ponte Vecchio, a Loggia, a Piazza della Signoria… Eu sei… Eu sei… As margens doces do Arno às horas pardas da melancolia. Ai que saudade, Galileo Galilei! Olha. Sabes? Lá em Florença está guardado um dedo da tua mão direita num relicário. Palavra de honra que está! As voltas que o mundo dá! Se calhar até há gente que pensa que entraste no calendário. Eu queria agradecer-te, Galileo, a inteligência das coisas que me deste. Eu, e quantos milhões de homens como eu a quem tu esclareceste, ia jurar - que disparate, Galileo! - e jurava a pés juntos e apostava a cabeca sem a menor hesitação - que os corpos caem tanto mais depressa quanto mais pesados são. Pois não é evidente, Galileo? Quem acredita que um penedo caia com a mesma rapidez que um botão de camisa ou que um seixo da praia? Esta era a inteligência que Deus nos deu. Estava agora a lembrar-me, Galileo, daquela cena em que tu estavas sentado num escabelo e tinhas à tua frente um friso de homens doutos, hirtos, de toga e de capelo a olharem-te severamente. Estavam todos a ralhar contigo, que parecia impossível que um homem da tua idade e da tua condição, se estivesse tornando num perigo para a Humanidade e para a Civilização. Tu, embaraçado e comprometido, em silêncio mordiscavas os lábios, e percorrias, cheio de piedade, os rostos impenetráveis daquela fila de sábios. Teus olhos habituados à observação dos satélites e das estrelas, desceram lá das suas alturas e poisaram, como aves aturdidas - parece que estou a vê-las -, nas faces grávidas daquelas reverendíssimas criaturas. E tu foste dizendo a tudo que sim, que sim senhor, que era tudo tal qual conforme suas eminências desejavam, e dirias que o Sol era quadrado e a Lua pentagonal e que os astros bailavam e entoavam à meia-noite louvores à harmonia universal. E juraste que nunca mais repetirias nem a ti mesmo, na própria intimidade do teu pensamento, livre e calma, aquelas abomináveis heresias que ensinavas e escrevias para eterna perdição da tua alma. Ai, Galileo! Mal sabiam os teus doutos juízes, grandes senhores deste pequeno mundo, que assim mesmo, empertigados nos seus cadeirões de braços, andavam a correr e a rolar pelos espaços à razão de trinta quilómetros por segundo. Tu é que sabias, Galileo Galilei. Por isso eram teus olhos misericordiosos, por isso era teu coração cheio de piedade, piedade pelos homens que não precisam de sofrer, homens ditosos a quem Deus dispensou de buscar a verdade. Por isso estoicamente, mansamente, resististe a todas as torturas, a todas as angústias, a todos os contratempos, enquanto eles, do alto inacessível das suas alturas, foram caindo, caindo, caindo, caindo, caindo sempre, e sempre, ininterruptamente, na razão directa dos quadrados dos tempos. António Gedeão Dito por Mário Viegas: https://www.youtube.com/watch?v=nFUNeV8acN8

Ensino Básico O Mostrengo O mostrengo que está no fim do mar Na noite de breu ergueu-se a voar; A roda da nau voou três vezes, Voou três vezes a chiar, E disse: «Quem é que ousou entrar Nas minhas cavernas que não desvendo, Meus tectos negros do fim do mundo?» E o homem do leme disse, tremendo: «El-Rei D. João Segundo!» «De quem são as velas onde me roço? De quem as quilhas que vejo e ouço?» Disse o mostrengo, e rodou três vezes, Três vezes rodou imundo e grosso. «Quem vem poder o que só eu posso, Que moro onde nunca ninguém me visse E escorro os medos do mar sem fundo?» E o homem do leme tremeu, e disse: «El-Rei D. João Segundo!» Três vezes do leme as mãos ergueu, Três vezes ao leme as reprendeu, E disse no fim de tremer três vezes: «Aqui ao leme sou mais do que eu: Sou um povo que quer o mar que é teu; E mais que o mostrengo, que me a alma teme E roda nas trevas do fim do mundo, Manda a vontade, que me ata ao leme, De El-Rei D. João Segundo!» Fernando Pessoa Dito por João Villaret: https://www.youtube.com/watch?v=L5Ihd-ECpYM Ensino Secundário Perguntas de um Operário Letrado Quem construiu Tebas, a das sete portas? Nos livros vem o nome dos reis, Mas foram os reis que transportaram as pedras? Babilónia, tantas vezes destruída, Quem outras tantas a reconstruiu? Em que casas Da Lima Dourada moravam seus obreiros? No dia em que ficou pronta a Muralha da China para onde Foram os seus pedreiros? A grande Roma Está cheia de arcos de triunfo. Quem os ergueu? Sobre quem Triunfaram os Césares? A tão cantada Bizâncio Só tinha palácios Para os seus habitantes? Até a legendária Atlântida Na noite em que o mar a engoliu Viu afogados gritar por seus escravos. O jovem Alexandre conquistou as Índias Sozinho? César venceu os gauleses. Nem sequer tinha um cozinheiro ao seu serviço? Quando a sua armada se afundou Filipe de Espanha Chorou. E ninguém mais? Frederico II ganhou a guerra dos sete anos Quem mais a ganhou? Em cada página uma vitória. Quem cozinhava os festins? Em cada década um grande homem. Quem pagava as despesas? Tantas histórias Quantas perguntas Bertolt Brecht

Mapa Plano como a mesa na qual está colocado. Debaixo dele nada se move nem busca vazão. Sobre ele - meu hálito humano não cria vórtices de ar e deixa toda a sua superfície em silêncio. Suas planícies, vales, são sempre verdes, os planaltos, montanhas, amarelos e marrons e os mares, oceanos, de um azul delicado nas margens fendidas. Tudo aqui é pequeno, próximo, acessível. Posso tocar os vulcões com a ponta da unha, acariciar os polos sem luvas grossas. Com um olhar posso abarcar cada deserto junto com o rio logo ali ao lado. Selvas são assinaladas com arvorezinhas entre as quais seria difícil se perder. No Ocidente e Oriente acima e abaixo do equador — assentou-se um manso silêncio. Pontinhos pretos significam que ali vivem pessoas. Valas comuns e súbitas ruínas não cabem nesse quadro. As fronteiras dos países mal são visíveis como se hesitassem entre ser e não ser. Gosto dos mapas porque mentem. Porque não dão acesso à dura verdade. Porque, generosos e bem-humorados, estendem-me na mesa um mundo que não é deste mundo. (Wisława Szymborska - Tradução: Regina Przybycień)

POÉTICA DE MERCADO Quanto maior o risco, Maior o lucro, dizem uns. Cansei de riscar e arriscar poemas! Nada mais ganhei do que dívidas E dúvidas: com o português e as letras e as coisas… Meu lastro poético continua esteticamente inútil. Quem dera se uma letra minha se tornasse De crédito: imobiliário ou agrícola! Ah, se minhas palavras valessem como ações E estivessem sempre em alta, Prontas para a melhor venda! Quanta sorte eu teria se minhas frases Fossem títulos públicos de um tesouro direto Ou um certificado de depósito bancário ou interbancário! O problema é que minha poesia não rende, fixa-se E me afundo nos fundos das ações que ficam imóveis. Resta-me, talvez, apostar nos debêntures dos antigos poetas E nos derivativos dos que estão por vir. Se o passado não garante o futuro, Quem é o futuro para garantir um passo dado? É preciso, pois, fazer alquimia: Transformar ouro em um padrão Que tenha como lastro a Poesia. Anónimo

Aula de ginástica: não querochegar atrasado.Não posso perder o aquecimentoque se faz de braços lentos, de quadris perfeitos,de lado direito semelhante ao esquerdo.Preciso me concentrar, como separa cada movimentoeu escrevesse a mesma palavra em vários idiomas.A perna devagar se levantae lentamente vai ao chão para esmagaro que depois veremos.Pouco a pouco fico prontopara a luta:que venham as mais ferozes forças,como os furacões no mar da América Central,pois eu já estou feito.O exercício me vicia em ser veloz,mas foi apenas somando cada ondaque cheguei a formar isso que sou:um corpo que o naufrágio abandonou. Felipe Fortuna

Desenho No papel branco desenharei um Sol bem amarelo e no alto dum monte um enorme castelo entre campos lavrados e povoarei a terra de cavaleiros e de soldados. Às nuvens darei a forma de gente (e haverá quem pense que são gente a sério…) e ouvir-se-á pela noite fora os uivos dos lobos até vir a aurora que desfará o medo e o mistério… E chegará a noite... tombarei de sono... Castelo, soldados, e os campos lavrados e os lobos esfaimados tudo deixarei sobre o papel ao abandono... Dormirei tranquilo e amanhã estarei sentado no banco de novo a sonhar. e no papel branco desenharei aquilo que hoje não fui capaz: um castelo um sol amarelo e as pessoas em paz. Alice Vieira

Mulher, de Ary dos Santos «A mulher não é só casamulher-loiça, mulher-camaela é também mulher-asa,mulher-força, mulher-chama E é preciso dizerdessa antiga condiçãoa mulher soube trazera cabeça e o coração Trouxe a fábrica ao seu lare ordenado à cozinhae impôs a trabalhara razão que sempre tinha Trabalho não só de partomas também de construçãopara um filho crescer fartopara um filho crescer são A posse vai-se acabarno tempo da liberdadeo que importa é saber estarjuntos em pé de igualdade Desde que as coisas se tornemnaquilo que a gente queré igual dizer meu homemou dizer minha mulher» Retrato de uma princesa desconhecida Para que ela tivesse um pescoço tão fino Para que seu pulso tivessem um quebrar de caule Para que seus olhos fossem tão frontais e limpos Para que sua espinha fosse tão direita E ela usasse a cabeça tão erguida Com uma tão simples claridade sobre a testa Foram necessárias sucessivas gerações de escravos De corpo dobrado e grossas mãos pacientes Servindo sucessivas gerações de príncipes Ainda um pouco toscos e grosseiros Ávidos cruéis e fraudulentos Foi um imenso desperdiçar de gente Para que ela fosse aquela perfeição Solitária exilada sem destino. Sophia de Mello Breiner Andresen Lágrima de preta Encontrei uma preta que estava a chorar, pedi-lhe uma lágrima para a analisar. Recolhi a lágrima com todo o cuidado num tubo de ensaio bem esterilizado. Olhei-a de um lado, do outro e de frente: tinha um ar de gota muito transparente. Mandei vir os ácidos, as bases e os sais, as drogas usadas em casos que tais. Ensaiei a frio, experimentei ao lume, de todas as vezes deu-me o que é costume: Nem sinais de negro, nem vestígios de ódio. Água (quase tudo) e cloreto de sódio. António Gedeão Musicado e cantado por Manuel Freire: https://www.youtube.com/watch?v=v2AXsH_miaQ

Quando vier a Primavera,Se eu já estiver morto,As flores florirão da mesma maneiraE as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada.A realidade não precisa de mim.Sinto uma alegria enormeAo pensar que a minha morte não tem importância nenhuma.Se soubesse que amanhã morriaE a Primavera era depois de amanhã,Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.Por isso, se morrer agora, morro contente,Porque tudo é real e tudo está certo.Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.O que for, quando for, é que será o que é. Fernando Pessoahttps://ensina.rtp.pt/artigo/quando-vier-a-primavera-de-alberto-caeiro/ Sabes leitor, que estamos ambos na mesma páginaE aproveito o facto de teres chegado agoraPara te explicar como vejo o crescer de uma magnólia.A magnólia cresce na terra que pisas - podes pensarQue te digo alguma coisa não necessária, mas podia ter-te dito, acredita,Que a magnólia te cresce como um livro entre as mãos. Ou melhor,Que a magnólia - e essa é a verdade - cresce sempreApesar de nós.Esta raiz para a palavra que ela lançou no poemaPode bem significar que no ramo que ficar desse ladoA flor que se abrir é já um pouco de ti, e a flor que te estendo,Mesmo que a recusesNunca a poderei conhecer, nem jamais, por muito que a ame,A colherei.A magnólia estende contra a minha escrita a tua sombraE eu toco na sombra da magnólia como se pegasse na tua mão. Daniel Faria As árvores como os livros têm folhas e margens lisas ou recortadas, e capas (isto é copas) e capítulos de flores e letras de oiro nas lombadas. E são histórias de reis, histórias de fadas, as mais fantásticas aventuras, que se podem ler nas suas páginas, no pecíolo, no limbo, nas nervuras. As florestas são imensas bibliotecas, e até há florestas especializadas, com faias, bétulas e um letreiro a dizer: «Floresta das zonas temperadas». É evidente que não podes plantar no teu quarto, plátanos ou azinheiras. Para começar a construir uma biblioteca, basta um vaso de sardinheiras. Jorge Sousa Braga